Os correios encerraram a greve. Logo no dia seguinte chegou uma cartinha do sistema de saúde perguntando se não gostaria de doar meus órgãos. Murmurei um “se der tempo, por que não”. E botei a carta na pilha das coisas que agora só em 2025.
A pilha física, digo. A pilha mental caiu para o canto toda torta com esse lembrete totalmente desnecessário de minha própria mortalidade. Que foi inclusive uma questão que o Teledipity me mandou trabalhar lá no começo do ano. As ruminações! Mas não deu tempo.
Tenho pensado muito nesses termos. Não sei se deu para notar. Virou meio que o bordão de 2024. Uma energia meio derrotinhas inclusive. E não é nem o caso de não ter feito nada que fiz coisa pra caramba, Simone, eu hein. Larga meu braço. Mas quando a feitura se dá majoritariamente no plano do didentro a pessoa se sente meio pra trás nesse Show & Tell desesperado da existência.
Claro que posso tentar correr contra o relógio e ler a biografia do Lynch assistindo todas as temporadas de Yellowstone na velocidade 2.5x enquanto zero o Duolingo sentada no leg press durante a ceia. Mas podendo evitar, né. Esse adicional de insalubridade que é o lazer produtivo. Porque fim de ano já faz a gente revisitar — por necessidade ou masoquismo — os planos traçados em janeiro. Para ver o que ainda cabe, o que precisa ser retomado, o que escorregou para o reino do delírio sem jamais ter sido. Ou apenas para sentar embaixo da mesa repetindo a Oração da Serenidade. Quando bate o desespero é cada um com seu whatever works.
Em fevereiro comprei um caderninho de Bucket List sabendo que nada de bom poderia jamais advir desse tipo de aquisição, mas é que me pareceu um sinal porque citaram Mary Oliver na capa — 101 things I want to do with my one wild and precious life. Eu gosto de sinais quase tanto quanto gosto de pastel (e artigos de papelaria custando menos de $5). Numa noite de sábado sentei com grande solenidade para rascunhar os 101 itens e acabei por horas empacada na meta 29 com um olhar bovino segurando uma Heineken meio morna e me perguntando será que minha vida já está plena ou apenas estou sofrendo de depressão gravíssima?
Não cheguei a nenhuma conclusão. Pior ainda: nunca cheguei a preencher de fato o caderno, assaltada por um vago bom senso que me disse que as coisas às quais estava me agarrando naquele período de incerteza não seriam necessariamente coisas que ia querer no futuro. E tudo bem. O que eu não esperava era voltar aos rascunhos e descobrir que agora nenhuma das 101 metas me diz absolutamente nada. São os devaneios do peito de frango que habita a caixa craniana de alguém que jamais conheci e nem quero, deve ser um porre a pessoa. Reler aquela lista é equivalente a concluir que em um único sábado à noite me equivoquei 101 vezes. Uma sensação que não me ocorria desde que parei de frequentar a Mariuzinn.
É aqui que eu amarro o começo e o fim da pensata: não acho que vai ter como arrumar 101 novas obsessões. Na vida. Simplesmente não vai acontecer. Por exemplo: no outro dia recebi meu wrapped do Spotify. Sinto que fui o último ser humano a receber o wrapped porque deu ruim no robô, é tudo igual desde 2021. Fiquei meio assim (2021 foi aterrorizante) mas ao mesmo tempo por que não (passei nervoso com uma trilha sonora ótima!). Acho que cheguei num ponto em que só quero admitir que gosto do que gosto e o resto é manifestação pouco construtiva do tédio. Aí quando as coisas que gosto saem de circulação ou validade (tipo a Ruffles Costelinha ou a Alice Munro) eu morro um pouquinho por dentro mas nada grave.
Tem que ver também que esse ano passei uma quantidade anormal de tempo no LinkedIn, e pense num lugar que tem o dom de corromper as vontades da mais sossegada das pessoas. Seis meses de intensivas técnicas de networking e a mente humana se fragmenta em duas direções: uma metade quer subir todos os degraus da escada corporativa e virar CEO com uma energia Scarlett O’hara brandindo um rabanete para um céu totalmente ignorante de suas mazelas, as God is my witness!! A outra só quer baixar a tampa do computador botar um vestido esvoaçante sair pela porta dos fundos cantando Shake it out aos gritos correr descalça pelos campos pisar num parafuso enferrujado caído de uma máquina agrícola em 1988.
Ou poupar meus órgãos desse frenesi e só fazer um blog mesmo. Sempre. A resposta para todas as questões.
O coração quer o que o coração quer etc.
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