Acho que poucas coisas são mais constrangedoras na vida do internauta médio do que a compulsão por explicar o que estava fazendo quando saiu da internet. Meninas, sumi. Meninas, voltei. Amada? Ninguém nem viu.
Por outro lado acredito que se nenhuma experiência é individual, o que quer que aconteça na minha vida pode fazer sentido na vida de outra pessoa. Portanto foi assim que se deu meu meninas, voltei: participei de um processo seletivo, a vida (essa coisa que sinceramente) acontecendo em paralelo, não li o edital. Era uma prova discursiva. Surtei. Totalmente desalfabetizada, incapaz de juntar as letrinhas. Nem era nada substancial, coisa de 500 palavras? Pânico afliceta suadouro. Escrevi sei lá, 502. As duas extras foram holy crap. Mentira. Mas foi humilhante. E meio triste.
A chinelada do resultado — ao contrário de mim — não desapontou. Começa com Your response shows limited clarity, does not fully communicate purpose, and focus may be inconsistent, e vai piorando, piorando, você espera que em algum momento digam algo como “candidata possivelmente é um guaxinim de peruca” mas aí no fim da folha veio escrito CANDIDATE MEETS REQUIREMENTS, o que foi a coisa mais Welcome to Canada que já me aconteceu. Você é meio burra, odiamos, 5 estrelas.
Decidi que precisava voltar a escrever. Sem fotos ou memes ou vídeos, apenas letras. Porque se minha sina é falar besteira sem coerência quero ser capaz de fazê-lo em MUITO MAIS de 500 palavras. Quero fluência mental. Quero que as pessoas evitem me perguntar qualquer coisa mais complexa do que “crédito ou débito?” porque elas têm medo de onde a conversa vai dar. Quero que os idosos do Facebook façam um grupo dentro do grupo só pra falar “deixa a brasileira no canto dela que ela é doida”.
Faz cerca de seis semanas que venho tomando chapisco intermitente de aposentados no Facebook por causa de um gato que não é meu. Tal qual a parábola do cachorro sentado em cima do prego, ainda não me decidi a vir embora. Não por estoicismo, mas porque acredito que grupos de Facebook fazem parte do kit de sobrevivência do imigrante. É onde os habitantes-raiz expressam do modo mais puro e desapegado toda a variedade de direitos humanos que gostariam de estar infringindo. É educativo e confuso. Porque um país que libera caça-níquel e maconha e a terceira idade prefere ficar em casa caçando treta na internet eu não COMPREENDO.
Mas começou assim: apareceu um gato aqui.
(é para ler como: além de todo o resto, *suspiro*, apareceu um gato aqui)
Chegou no comecinho da noite com uma cara meio derrotada, se enfiou no galpão. Batizei temporariamente de Poutine. E deixei água e ração na porta.
Manhã seguinte Poutine ainda estava aqui pegando um sol curtindo a vida lambendo os bigodes no thoughts just vibes. Eu se fosse um gato e esbarrasse num pote de Royal Canin que não esvazia nunca também não estaria com pressa de achar meu rumo. Postei mugshots de Poutine nos grupos locais, Este gato é seu? Apois venha pegar. Várias Karens dando tantas mas tantas dicas que jamais em tempo algum solicitei. Enchi o pote de ração de novo. Sentei na frente do computador. Olhei pela janela e na porta do galpão estava a maior raposa que já existiu.
Corri lá fora, não achei a raposa e tampouco a Royal Canin e Poutine menos ainda.
Portanto rezei.
Mas aí começou, né. As véia do Face perguntando do gato e eu sendo obrigada a informar que depois da raposa não sabia mais. O gato ainda está aí? Sim e não. Poutine de Schrödinger. Rapaz, o bullying. Emojis de coração partido e flor murcha, thoughts & prayers. Ninguém em tempo algum falou “passa teu endereço que vou aí ajudar no resgate”. Obviamente.
E teve UMA pessoa, essa única siderada que mandou mensagem no meio da madrugada perguntando se eu achava que era a gata dela. No que abro a foto e a gata dela só tinha um olho. Sendo que Poutine na foto ali ele (abre o .jpeg estuda o .jpeg conta) tem os dois. Compreende.
Como é que será que se deu esse raciocínio.
[Fiquei com dó porque ela veio real esperançosa, Você acha que é a fulanita?, e what the actual fuck??? Mas só falei que não. Eu não acho que seja a fulanita. É tipo assim uma intuição minha. INCLUSIVE. Fulanita e seu olho único solta num lugar cheio de coiote. Eu conto ou vocês contam.]
Semana passada uma pessoa postou no grupo dos bichos perdidos. Poutine vive! No quintal de outrem. Achei de bom tom ir lá avisar que era o mesmo gato que se hospedou aqui. Traçar a rota de deslocamento do gato talvez. Caloura, mamãe, ingênua demais. Fui chapiscada tudo de novo. O primeiro comentário do post era a moça querendo saber se é a Fulanita. Poutine segue tendo 2 olhos.
Talvez algumas experiências sejam sim individuais.
Mas relato mesmo assim.
Vai que.
Encontrei seu blog de um jeito bem 2013: pelo listography.
ResponderEliminarEstou no caminho de retornar a escrever por prazer, criei um blog recentemente pra manter o hábito, me identifiquei com seu post.
Irei acompanhar suas aventuras por aqui.
Até a próxima. :)
Pelamordedeus que saudade de blog, de textos, o tanto que ri do gato, lá vou eu resgatar como que em 2025 faz para manter blogs como fonte de leitura, obrigada (quase me deu vontade de escrever também)
ResponderEliminarKkkkkkkk como eu ri! Amo o jeito que tu escreve!
ResponderEliminarmulher pelamordedeus, eu perdi tudo em tantas partes desse post que a última coisa que fiz foi suspirar. obrigada pelo entretenimento HAHAHAAH a grande questão, aonde fulaninha foi parar (emoji coração partido flores murchas)? ela precisa voltar logo antes que a mãe dela enlouqueça alguém por não saber contas olhos
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